segunda-feira, 13 de julho de 2009

Eu gosto quando os mortos contam as histórias.

1º de fevereiro de 1830

Fechei meus punhos sobre a mesa antes de dar a última garfada. A comida descia aos poucos, enquanto uma porta atrás de mim rangia ao ser fechada. Ouvi passos, sentindo meu estômago revirar em resposta; ele estava a caminho. O choque do seu sapato sobre o assoalho de madeira era ensurdecedor; e eu me perguntava se seria capaz de terminar meu jantar. E antes que pudesse me decidir, senti sua mão tocar meu ombro com autoridade, dando vida ao meu estômago outra vez.

Sua mão percorreu por meu pescoço, sem que eu pudesse fazer nada como resposta; eu estava paralisada.

Ele inclinou seu corpo, fazendo sua boca alcançar a altura da minha orelha. Senti meu ar escapar enquanto mantia minha mente no salão onde me encontrava. Era escuro e silencioso, fechado e claustrofóbico, ornamental e majestoso. Iluminado por velas e decorado por animais mortos. O cheiro de sangue fresco circulava por lá e eu ainda me perguntava como era capaz de identificá-lo. Uma grande mesa de mogno com cadeiras altas eram tidas no meio do ambiente, sendo facilmente identificada com um salão de jantar. Foquei uma coleção de adagas de prata, torcendo para serem esquecidas.

Ele sorriu e eu podia sentir o ar quente batendo contra minha pele. Fechei meus olhos antes que sua voz envolvente rompesse o silêncio, trazendo a mim uma sensação de entorpecimento imediato. Ele era musical e envolvente, fazendo com que tudo que eu havia pensado ser desmaterializado em automático.

- Venha. - Ele ordenou e eu apenas concordei saindo do meu lugar de cabeceira.

Caminhamos por corredores escuros coberto por quadros e tapetes gigantescos. Eu apenas olhava para frente, o seguindo as cegas. 'Estúpida, corra!', me ordenei repetidamente, mas sabendo que não me obedeceria tão cedo. Eu estava fora de controle, fora do meu controle.

Ele parou diante de uma porta, e me olhou diretamente pela primeira vez naquela noite. Engoli em seco, não conseguindo desviar meu olhar de suas feições firmes e questionadoras.

Ele era alto e composto. Seu cabelo era ralo e mal cortado. Suas mãos grandes e tão pesadas quanto as suas roupas pareciam ser. Seu rosto fino e cristalizado, pálido, com traços exatos, com uma beleza relativa e contestadora. Meu mistério particular.

Ele me encarava neutro, aparentemente entediado, sendo silencioso como de costume. Ele levou as mãos sobre a altura dos seus lábios, tocando-os com seus dedos com delicadeza, me deixando completamente assustada. Ele esboçou com prazer um sorriso semi-aberto, dando os últimos passos que nos separavam. Suas mãos tocaram minhas bochechas devagar, quase não me permitindo senti-las, entretanto, o peso do seu olhar sobre o meu era o suficiente para sentir meus membros estalarem de dor.

Gemi baixinho, sentindo um carinho tímido e singelo vindo dele.

- Não chore, não vou te machucar. - Engoli em seco deixando que a solitária lágrima despencasse sobre meu rosto inexpressivo. Ele serrou os olhos, incomodado. Mas por quê?

Depois de tentar controlar meu emocional em secreto, percebi finalmente onde estávamos. Ele movimentou um grande molho de longas e desenhadas chaves de bronze gasto, fazendo com que o choque delas ecoasse sobre o corredor. Uma porta de madeira, maior que as demais estava sobre sua frente enquanto ele procurava uma chave em especial. Eu senti uma sensação de deja vú brotar, me certificando - com um beliscão - se eu estava dormindo; infelizmente, não despertei.

Um estalo foi feito assim que a chave encaixou sobre a fechadura abrindo a porta. Ela rangeu mais alto que eu imaginava, mostrando lentamente um interior mal iluminado - a não ser por algumas velas gastas - e empoeirado. O encarei suspeita e ele apenas fez um movimento para que eu entrasse e não hesitei. 'Saia agora, AGORA!', me ordenava aos berros.

Movimentei-me, tentando fazer um reconhecimento mal sucedido do local, enquanto ouvia um novo rangido ao ver a porta se fechar; era somente eu e ele. Ele retirou seu casado, deixando-o encostado sobre uma poltrona escura acolchoada com almofadas de veludo vermelho. Não conseguia o encarar, preferia o evitar antes que ele começasse.

- Já disse para não ter medo. – Ele insistiu colocando o dedo sobre meu queixo, o levantando a sua altura.

Concordei, sentindo minhas pernas não atenderem meu comando de correr o mais rápido o possível. Ele me entorpecia. Respirei fundo, sentindo minhas narinas se dilatarem, travando meu ombro na posição de defesa. Eu estava em pânico.

- Sh, calma! – Ele colocou o indicador sobre meus lábios, tentando – inutilmente – me acalmar.

- Porque eu? – Minha voz saia embargada, descontrolada, vacilante.

- Calma, calma... – Concordei novamente com a cabeça, apenas obedecendo seus comandos, apenas fazendo o que ele queria.

Suas feições continuaram iguais, formando em mim uma visão nostálgica do que realmente aconteceria. Ele estava frio, e eu percebia isso só em aprofundar meu olhar por seu duplo oceano óptico, era sufocante, já me sentia afogada. Meu ar escapava enquanto suas mãos voltavam a tocar meus ombros. Fechei meus olhos, ouvindo-a sendo desembainhada, era como um estalo. Ele segurou firmemente meus cabelos, levando junto a si minha cabeça, até encostar perto do seu peito marmorizado.

A ouvi chocar sobre o chão antes que tocasse meu corpo. Mas ele continuava a me segurar firmemente sobre si, como se quisesse me proteger. Suas mãos prendiam meu corpo sobre o seu e lentamente senti o sabor doce do consolo, já estava feito. Ele lentamente tocava com seus lábios meus pulsos, em busca de algo mais que suor e frio. Eu conseguia sentir a necessidade do seu corpo, e mesmo que fosse preciso, ele adiaria sede por mais tempo.

Um impulso jogou meu corpo sobre o sofá, e seus caninos brilhavam com a fresta de luz que o luar nos dava naquela noite silenciosa. Seu calmo e detalhado olhar focava para mais além que tudo aquilo, tornando nossa atmosfera pesada e tensa. Mesmo assim, sentia uma sensação de tranqüilidade chocar meu humor; eu aparentemente estava livre.

Demorou mais que o habitual para que novamente ele decidisse me encarar com normalidade. Seus batimentos eram compassados, e ecoavam por todo o salão. Mas ele controlou suas feições, torcendo para que eu fosse um pouco surda. Pude sentir a temperatura mudar assim que toquei com meus dedos seu rosto, já próximo. Ele ainda focava em mim, como se fosse necessário que eu transformasse todas sua confusão em um final rotineiro composto de sangue e satisfação. Entretanto, para seu castigo, ele ainda se sentia emocionalmente ligado a mim, mesmo que não fosse compreensível.

Subi meus dedos até que pudesse sentir suas têmporas dilatadas. Ele fechou os olhos, se deslizando rapidamente para o outro lado do salão, confuso. Me senti na obrigação de levantar e descobrir o que estava verdadeiramente acontecendo; precisava de respostas.

- James? – Não hesitei ao pronunciar seu nome, percebendo que isso não havia agradado meu anfitrião.

- Nada de perguntas, as regras são essas. – O carinho camuflado havia terminado, e apenas a grosseria acompanhava suas palavras.

- Mas preciso... – Insisti notando que minha voz estava falhada.

- Shh... – Ele tornou a tocar-me os lábios, fazendo com que meu corpo pedisse um pouco dele, mesmo que o comando de ‘fuja’ ainda estivesse ativo.

- Por favor... – Murmurei implorativa, tentando despertar pena. Todavia, não funcionava.

Ele continuou a dedilhar meus lábios com seu polegar, e involuntariamente me guiava para mais perto do seu corpo. Não fui detida, e agi por impulso e instinto, tentando aproximar com cuidado nossos lábios. Seu ar tocava minhas bochechas, enquanto minha mão direita subia por seu pescoço, tentando-o trazer mais para perto. Ele continuou parado, sem mover um músculo se quer, apenas esperando meu próximo passo, o beijo.

Encostei com delicadeza nossos lábios, e senti pela primeira vez o quão doce e proibido aquilo era. Uma onda de entusiasmos passou por meu corpo, fazendo com que o beijo se iniciasse. Suas mãos chocaram sobre meus ombros, me empurrando para longe em um estalo. Respirei pesado, olhando assustada para meu redor, apenas escutando a porta bater atrás de mim.

domingo, 12 de julho de 2009

Que sensação é essa?

O carro estava no limite de velocidade e o vento esvoaçava meu cabelo enquanto eu cortava a rodovia ao som dos Beatles. Meus pensamentos se misturavam aos meus batimentos; sentia-me aproximar a cada momento do meu destino, seu sorriso. Já sentia suas mãos ao meu redor e a confirmação dos meus maiores desejos silenciados; te ter mais uma vez.

O arrepio subia por meu corpo a cada metro percorrido e eu já podia sentir sua respiração na minha. As placas indicavam a proximidade, e pela primeira vez sentir minhas mãos suarem frio. Sua voz me veio a mente, e eu ainda tentava entender porque não me respondia a dias. O medo tomou conta de mim, e me senti tentada ao ver a indicação do retorno a menos de 50 metros. Decidi seguir em frente e entrei por uma rua conhecida.

Ao estacionar, tirei meu RayBan e elevei-os até minha cabeça, confirmando ao ver uma fachada conhecida. Eu estava a um toque de distancia, e já sentia tudo novamente. Meus olhos se encheram facilmente ao me lembrar de cada coisa que passei, de todas as cobranças externas, do sofrimento calado, de ter que deixá-lo partir. Era doloroso não ser compreendida, e ter que deixar o mais precioso sentimento de lado, em troca de uma dor eterna. Já me sentia quebrada o suficiente, mas eu precisa, tinha que voltar, voltar a ser aquilo que sempre fui, dele.

Andei até a porta, sentindo dilatar sobre minhas mãos a ansiedade de um olhar dele, apenas isso. Toquei a campainha, esperando o que me pareceram ser anos, até ouvir o rangido da madeira e uma visão que fez meu coração despedaçar por imediato. Ele estava lá, com um olhar confuso, carregando como troféu alguém que me chamava de amiga.

Senti abalar, e descer amargamente cada uma delas, aquelas que eu havia segurado em momentos de pseudo-força, aquelas que meu havia me obrigado não demonstrar, apenas para entender o motivo da minha força. Mas ela não existia, não hoje, ela estava no fim. Mesmo que eu tentasse, tudo havia sido tomando, e nada, NADA que eu fizesse mudaria a dor que cortava meu ar.

O sentimento crescia sobre meu peito, enquanto cortava silenciosamente os sinais de dor. Não queria falar, já havia falado demais, em todas as tentativas de comunicação, em pedidos de atenção e vestígios de saudades. Mas agora entendia o silêncio, e ele era mais sonoro que mil palavras. Sabia que ali era o fim, o verdadeiro fim, mesmo que só tenha entendido isso da maneira mais difícil, a mais cruel.

Apenas me virei, voltando para meu veículo estacionado, carregando sozinha todas minhas dores, mais uma vez.